terça-feira, 29 de março de 2011

Coroa de espinhos















Eis quando levanto a coroa de espinhos
que todos os dias me atiram,
rasgando esta carne de ira,
salgada de lágrimas e suor,
e olheiras que baloiçam no rosto febril…

As pálpebras caiem no chão como chumbo,
rolam pelo asfalto escuro
e ficam a boiar
na borda de uma poça de água turva.

Marchamos na estrada sem rumo,
de espinhos cravados no pensamento
que nos cegam e amordaçam.
Temos direito a vacinas contra a luta,
encharcam-nos com analgésicos
para mantermos este trilho sonâmbulo.

Mas chegou a hora…
Levantem esses olhos cerrados
bebam o azul onde mora a liberdade
e cortem as amarras da escravatura.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Morte

Sentei-me ao teu colo
sem te conhecer o rosto
escondido na penumbra
de um cipreste antigo.
Segurei-te as mãos de cera fria
e uma dor aguda
trespassou-me a pele e a carne…
Esgueirei-me no teu pescoço de pedra
dei-te o meu hálito quente…
… uma palavra caiu-me dos lábios…
Tentei reanimar-te da vigília perene
onde esperas aqueles que partiram
mas é nessa cadeira de marfim,
com os teus longos cabelos brancos
entrançados em lágrimas de perda e desespero,
que vives as tuas memórias.
Circundo-te, salto novamente para o teu regaço,
mas o teu olhar permanece estático…
As pálpebras cristalizaram…
No dia em que se abrirem
é porque chegou a minha vez.

quinta-feira, 17 de março de 2011

És Eterna

Pó, luz, água…
O marulhar serpenteando-me na pele nua,
pequenos grãos deslizando nesta nudez de lua
enquanto viajo na linha ténue que me separa de ti…

Um dia no teu colo, em tua casa.
Anos de ternura guardados dentro de mim.
Memórias que se renovam a cada lágrima
ganham vida no olhar turvo
com que desenho figuras imaginárias
ilusões feitas de algodão e açúcar.

E mesmo quando não estava lá,
tinha-te cá dentro…
Vives no meu jardim de rosas e tulipas,
por isso és eterna.
Apanhas a brisa da primavera
e voas com as andorinhas,
por fim, regressas com as estrelas
e formas uma nova constelação.

...

É para ti este poema avó. 
Partiste, mas continuas viva cá dentro!


quinta-feira, 10 de março de 2011

Existência



















Vejo-te nua
sob a luz quebradiça
de um candeeiro de rua.
Toco-lhe a ferrugem de 27 anos,
a minha sombra difusa
estremece com o vento fraco
que sussurra a canção grave do mar.

Despida do fato social
com que te pintas de homem ou mulher,
ganhas outras cores
como os frutos de um pomar maduro
ou os corais do fundo do oceano.

És areia, terra e lua,
fonte de água pura e transparente,
rio que me contorna a cintura
e beija a foz do meu corpo.

terça-feira, 1 de março de 2011

Grito mudo
















A garganta engoliu-me o grito mudo
que irrompia da goela como saliva ácida…
três gotas estalam-me nos olhos cerrados
e deslizam quentes até se diluírem nos lábios tensos…
Sinto-lhes o sabor salgado!

A tua mão calma limpa-me o rosto molhado,
suaviza-me as linhas soturnas e agrestes
que vigiam a lua e as estrelas
até no horizonte despontar o violeta claro
com que pinto o crepúsculo do amanhecer.