sexta-feira, 28 de outubro de 2016

ESCALADA

Escalo as lágrimas de gelo que se pregam no rochedo imponente,
que sobressai da vegetação silvestre, densa…
Agarro-me a cada estalactite escorregadia, luzidia…
...Afiada...
desenha rasgos de sangue que se cruzam com as linhas da mão,
golpes que se aprofundam na alma do desespero,
mas continuo a subir como a trepadeira que nasceu do chão,
que rasteja pela verticalidade da pedra, da lama…
Quero soprar as nuvens que me tingem a pele de cinza
como o vento que vem da espuma do mar revolto,
como o aguaceiro que empurra a poeira contra a terra seca
e despertar o eclipse lunar que me consome as entranhas.



terça-feira, 4 de outubro de 2016

Lobo

Pupilas dilatadas, pulmões inchados…
Contém, sustém, desliga…
Um passo, uma vida, um amanhã,
um ramo perdido no chão molhado da chuva,
uma flor esquecida num banco de jardim…
A brisa gelada infiltra-se-me nos poros nus…

Pálpebras descaídas levantam-se com o anoitecer…
Expira, liga, liberta,
transforma-te em lobo de olhos claros e pelo escuro…
Corre, respira…
corre, respira…
corre, respira…. E desliga.


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Sem freio nem destino

Sombras na penumbra do crepúsculo,
o pôr-do-sol tinge-se de púrpura,
o vento escala as estrelas invisíveis do teu olhar,
o meu cabelo esvoaça entre grãos de areia suspensos,
enquanto a espuma branca do mar
me lambe os pés nus, gelados…
São barbatanas da terra de ninguém!

Estendo os braços para te receber,
sem artefactos ou vestes,
apenas pele, sangue, carne, osso…

Escorrem-me lágrimas que queimam,
cobrem-me o corpo roxo, quase inanimado,
mas a alma arde em labaredas,
enquanto não respira esse futuro
claro, transparente
como a água cristalina de uma fonte ainda por descobrir…
                             Ilusão do amanhã sorridente
                             que permanece no eterno desconhecimento humano…

A terra transforma-se em lava
como a pélvis seca se liquefaz no teu tronco…
Cavalgo-te sem freio nem destino….


terça-feira, 26 de julho de 2016

Ser o que sinto



Ser, rasgar,
pele desnuda,
corpo desprotegido,
queimado do sol…
alma exposta,
molhada da chuva…
Sem pudores entrego-me à terra
às flores e ao pólen que expulsas…
Para ser…
Para sentir…
Para ver e respirar….

Não sei quem sou,
mas sei o que sinto,
o que procuro,
o que me dá prazer,
o que me eleva e dá asas
para penetrar a atmosfera,
desprender-me do planeta terra,
do sistema solar e extrassolar
e viajar pelos buracos negros do universo.

Quem somos?
Não sabemos,
mas sentimos:
Medo
Ansiedade
Paixão
Amor
Alegria
Arrepios na pele
Estômago embrulhado
Pupilas dilatadas
Poros em suor
Boca seca
Ventre húmido em convulsão.

Somos apenas
O que sentimos.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Rosa brava



Nascem-me espinhos afiados e pétalas perfumadas
sob um céu de fumo e fogo ardente…
Vegeto neste chão como prisioneira
da minha condição de rosa brava.

Sugo-te a água e os nutrientes do solo
para alimentar o fel que transborda deste gineceu,
carpelos em fúria ávidos do pólen
que me sobrevoa em enxames de abelhas prenhas.

Sou rosa sem cor,
apenas brava, apenas de espinhos
de raízes mutantes e nómadas…


quinta-feira, 7 de julho de 2016

Destino falso



Entre as linhas tortas do destino difuso,
nego-te, rasgo-te, roo essa corda fictícia,
que nos prende a mente e nos jorra lágrimas…

Na insignificância que representamos,
temos uma palavra a dizer,
um caminho a tomar,
uma arena onde combater,
um sol, um céu e tantas estrelas,
para absorver e recriar…

Somos livres, criadores dos nossos passos,
ainda que condicionados pela terra que pisamos,
pela chuva que desaba e molha,
pelo sol ardente que nos queima a fronte…
Mas continuamos livres para ser, sentir, decidir!

O destino somos nós!


quinta-feira, 30 de junho de 2016

Amar é foder



Abre os olhos, a boca, as pernas…
deixa que o vento e a chuva te fecundam de prazer,
enquanto destilas fogo, luz e calor…
Despe-te de preconceitos e de pudor,
sê nua, pele com pele, poros húmidos bebendo
no meu ventre água benta…
Sobe ao altar e reza de joelhos,
chupa a hóstia e deixa a saliva derretê-la,
enquanto explodes sobre o tapete vermelho
a heresia de foder.


segunda-feira, 27 de junho de 2016

Terra



Inspira…
cubro-me de ramos e folhas frescas…
…bate-bate… bate-bate… mais rápido… bate-bate…
Veias em contração e extensão,
compressão, distensão…
Nuvens, vento, sol, escuridão…
Expira, alivia, relaxa…
Vento uivando no cume da montanha,
lava escorrendo da cratera em que te escondes.

Inspira, contém, chora…
                Pára… cerra as pálpebras… lambe as feridas…
Rio de lágrimas alagando raízes,
invadindo vísceras em sangue,
salgando carne, conservando dor,
mar revolto cuspindo contra o crânio,
aguaceiro rebentando no teu peito…
Expira, desmaia, uma batida apenas…
Terra infiltrando-se nos poros húmidos,
injetando-te vermes e pasta de folhas secas…