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Escutas o murmúrio da noite,
entre as ondas ralas de água doce
que desaguam nos meus olhos de lágrimas...
Bebes o luar nesse baloiço de prata,
que o vento sopra contra a tua corrente
e salpicas-me os lábios assim que atravessa um barco...
Sentada num dos teus braços de terra húmida,
estendo-te os pés descalços
enquanto observo-te o caminho até ao mar...
Não tens o sal marinho que beija o pôr-do-sol,
mas conheces o ventre que te deu vida!
És a língua que sacia montanhas e planícies,
viveiro de mares e oceanos.
Agarro-te esse traço curvo com que finalizas o meu nome,
a tinta escura que desliza da caneta
tinge-me a bainha negra
que se desprende do vestido de cetim violeta...
Reconheço-te esse contorno mais forte
que sublinha vogais abertas, sons exclamativos
e a sombra mais frágil e trémula retida nas entrelinhas,
quando hesitas, escreves e rabiscas traços inseguros,
que se desprendem e esvoaçam pelas páginas do teu livro...
Rasgo uma e outra folha completamente vazias
pálidas, despidas...
sem uma linha ou um risco indevido...
É uma ausência de ser, uma apatia profunda
que se abate sobre os meus olhos embaciados
como se o amanhã não pudesse nascer,
qual rebento de planta que não consegue desabrochar e dar flor,
como se o passado se desfizesse entre os dedos de uma criança
deslizando em grãos de areia fina e branca...
Descanso o meu reflexo nesse espelho de luz salgada
que navega entre as duas margens de um corpo sem destino...
São os reinos do sol nascente e da lua cheia
que marcam a valsa das marés e dos ventos!
Bebo-te o orvalho da manhã e a espuma branca ao entardecer,
enquanto desbravas este caminho subterrâneo de água doce
para desabrochares na boca quente que te faz renascer uma e outra vez...!
Mas esta sede de mar que estremece
cada nervo do meu ventre, cada poro da minha pele
faz-me planar sobre ti como uma águia insaciável pronta a caçar a sua presa...!