quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Ser mulher



















Se me esquecesse de mim
do corpo em que me materializo
e me faço carne e cinzas,
não seria eu nem o meu espelho
mas um lago turvo onde me liquefazia...
... seria um Outro apático, indefinido,
incapaz de sentir dor ou alegria!

Se misturasse a transparência numa paleta 
com tinta vermelha, verde e azul,
novas cores nasceriam com aromas desconhecidos,
indecifráveis pelo verbo ou o substantivo da língua...
Só a tela vazia lhe sente o sabor e a intensidade do pigmento,
que em manchas de luz e sombra
despe o branco dessa inocência cândida, clara, inútil,
dando-lhe a beber a seiva quente 
que jorra do meu ventre!

Se me abandonasse neste voo fresco da manhã
que desperta as damas da noite 
recolhidas no perfume que emana das suas pétalas,
seria a cantiga de criança com que adormecia
num embalo de rosas doces e alecrim!

E só me tornaria mulher quando anoitecesse
e o oceano me resgatasse os sentidos em suspenso
neste emaranhado de fios invisíveis
que escravizam marionetas sem alma,
corpos fantasma que se arrastam no asfalto, 
seguindo essas mãos assassinas que manipulam inocentes!

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Concha prateada






















Quando a lua se despe sobre o mar,
as estrelas protegem essa pele nua e cristalina
diminuindo a intensidade com que iluminam a vigília noturna.
Apenas um feixe mínimo te acaricia a tez prateada
e esse longo cabelo negro que esvoaça sobre os seios claros...
O vento beija-te o ventre húmido, abraçando-te o corpo firme...
Danças, subindo e descendo num voo rasante sobre a água,
enquanto as gaivotas espreitam curiosas esse amor cósmico
que se desenha em constelações de rosas e tulipas...
 
E assim que te entregas à noite,
uma fina névoa desliza sobre o leito denso,
que ondula em espuma e sal sobre os rochedos
que se erguem do imenso areal agora em silêncio...
Não há vozes, nem pegadas inscritas à beira-mar,
mas escuto-te no interior desta concha prateada!