sábado, 4 de novembro de 2017

A lua veste-se de muitas cores

Lua cheia filha da puta
corrói-me as entranhas em sangue,
os ovários sem pudor,
para te vomitares impune
sobre o chão negro da vulva
a soar em ré menor…

Lua de prata, fel e suor…
Espelho-me nas tuas crateras fundas,
covas fúnebres que me sufocam as veias,
galgam-me a garganta em ferida,
silenciam-me a voz da dor.

Escrevo com a unha roída,
cravasse-me no sabugo
depois de um dia de chuva inteiro
a debitar tinta num papel em branco
sobre ecologia em viveiro
assuntos verdes para executivos
árvores, pessoas ou será dinheiro?

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Vida idílica

O vento sopra nas encostas de uma escarpa de granito,
vocifera palavras ininteligíveis, sons de corvos famintos,
empoleira-se diante de um peregrino para contemplar
a estrada contínua de terra e pó que me suporta o corpo lívido,
encharcado em lágrimas vindas das ondas do mar…
São espinhos líquidos que se cravam na pele mendiga,
em busca de lenha para a vida idílica que esmorece e definha.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Ácido

O ácido cítrico sulca-me o negro salgado
que me apoia o olhar vazio,
desprovido de vida, de luz noturna,
retido na penumbra da minha sombra,
encostada ao ombro da lua magenta.

Agarro-me às trevas de espinhos,
perfurando a carne calejada de lágrimas…
Procuro pirilampos, o luar, e as estrelas cadentes,
intermitências de mim, de quem fui ou de quem queria ser…

Ardem-me as pupilas
mergulhadas na espuma da maré,
deitadas na areia molhada.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

REAL

Sem modelos nem matrizes de branco ou preto
desdobro-te as páginas cinza que te aprisionam os flancos….
Nus, polidos, escondidos num manto de medos!
Vem, aproxima-te, desliga-te do mundo real que é digital,
sente que és artificial e prova a dor da carne e do sangue rubro,
desliza pelo empedrado sujo, frio, húmido
e vislumbra o firmamento poluído de pele, suor e sem-abrigo…

VIDA

Agarra-te à carne, ao sangue…
À terra crua que te alimenta as raízes nuas…
Despe as vestes de fantoche coloridas
e entrega-te à vida e ao deboche
e deixa que o orvalho te desflore a vulva desnuda…

Liberta-te das correntes que te amordaçam os seios,
frutos suculentos, rubros, dignos só do vento
aquele que te sussurra, estremece
e os teus lábios humedece com uma gota de chuva...


quarta-feira, 26 de abril de 2017

Um dia

Um dia...
... sem vida
após outro sobrevivente, esmorecido...

Um dia moribundo, sem-abrigo
após outro vagabundo, cambaleante,
rastejante no subsolo de mim,
na lama que me alimenta as raízes podres,
nas pedras que me golpeiam sem pudor.

Inspiro... expiro... no ocre fumegante...
...tóxico...
que corrompe, vicia, assassina,
que se dilata como carne embalada em putrefação...

Prostrada no chão...
inspiro... expiro... tacteio nas rugas das mãos...
pálidas, frias, calejadas, videntes.
Sigo cada rasgo salgando lágrimas
com o voo noturno das pestanas molhadas...
e o rosto cansado, bebendo as últimas estrelas
deste luar fantasma...


terça-feira, 25 de abril de 2017

As armas da liberdade
















As armas de ontem murcharam
o vermelho perdeu a vida
e as pétalas lacrimejaram.

A luz clara tingiu-se de cinza
e a sombra do esquecimento
abateu-se sobre a terra prometida.

As mãos sofridas, calejadas
que empunharam com fervor os cravos
são agora macias, frágeis,
pisam as flores do passado.

Mas há quem semeie a liberdade,
quem cante de cravo ao peito… cheio
o dia da Revolução!

segunda-feira, 27 de março de 2017

PELE

São mãos que giram para calar o frio
esfregam o vento para se aquecerem,
dançam no rodopio das folhas caídas,
voando sobre a calçada escura vestida de chuva…

Prega-se ao corpo, lambe as solas gastas
dos sapatos roídos pelo tempo,
essa água miudinha que cai a pique
e arrasta a folhagem seca agora macia e húmida
como a pele encarquilhada que se expande, torna-se elástica
deixa de ser velha para espelhar
uma imagem difusa do passado.

As poças são mais honestas.
Revelam todos os caminhos e atalhos
tatuados nos cantos e vales desta pele de orvalho.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Revolução original

Vento….
sopra a voz aguda da dor escondida!
Neve…
congela a pulsação febril camuflada no gelo,
expele o fogo que te consome as entranhas já gastas,
anuncia um novo mundo, idílico,
anuncia um novo sistema político humano
irmanado com o planeta terra, com a vida…

Onde está a revolução original,
se te subjugas, se te demites
se reprimires a tua filosofia, os teus sonhos…

Levanta-te!
Canta as lágrimas que te aprisionam,
a lava que te corrói por dentro em carne viva!

Nem eu nem tu
podemos mudar o mundo,
mas nós, todos…
Eu, tu e os outros!

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

REFUGIADOS

Um sopro húmido de inverno sombrio
corre-me nas veias ocas, roxas de frio…
Canta-me a música de embalar das ondas,
rebentando contra as rochas graníticas,
resfolegando nas proas dos navios de gente
que viajam sem destino, fugindo do abismo…

Abre-se uma clareira entre o mar esculpido de luz…
Terra firma…
… Emerge levantada por sereias noturnas,
esconderijo seguro para acolher almas perdidas
que transbordam alegria, esperança
como pirilampos que mergulham nestes fios de cabelo
com que me cubro durante a gestação das marés.


terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Espelho meu

Espelho, poça de água…. reflexo meu,
o que vejo alaga-me o olhar,
cega-me a visão e o entendimento
que agora viaja no dorso da gaivota solitária
sobre o mar revolto que cospe espuma salgada
contra os rochedos afiados de granito…

Ser quem sou sem saber e não querer,
querer sair de mim para ser outro e voltar a renascer,
projetar-me no firmemente junto das estrelas,
cintilar entre os pirilampos e as gotas de orvalho
e desaguar num lago ausente, sem reflexo!



Zé-ninguém

Deslizo pela face fria,
sou lágrima salgada,
indesejada,
mas precisa para a alma...

Deslizo uma e outra vez
num mundo que me rejeita
mas continuo a minha viagem
à procura de um destino,
de uma nuvem vazia,
de um lar acolhedor
para me aconchegar nesta noite gelada.