sexta-feira, 24 de junho de 2011

Destino























O corpo só…
Estala-me nas rochas da alma…
Espuma de cristais afiados
na escarpa dorida
e o assobio noturno dos corvos
cercando as presas fugitivas,
roedores famintos
que procuram o abrigo prateado da lua
ou a carícia que voou
e transformou-se em coruja.

Nascem-me asas de vidro,
sem penas, estilhaços apenas…
Arrasto-me pelo solo arenoso,
evitando o destino:
voar é o suicídio.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O voo mais livre

O voo mais livre
é o aroma fresco na boca
ainda húmida
desse doce que se derrete na língua…
Sabe a morango e amora,
crava-se na garganta,
tatua-me com espinhos…

O voo mais livre
é desprender-me deste corpo pesado,
das olheiras fundas
que me atiram pedras
e pisam o sal das lágrimas,
agora mais ácidas e corrosivas.

O voo mais livre
é perder esta vida inútil
e ganhar outra mais leve e clara,
como essas pétalas que esvoaçam
a cada vez que suspiro…

Voo no dorso dessa nuvem cinzenta,
pronta a disparar a raiva líquida
sobre a terra quente de trovão!

Sigo-te por entre farrapos de luz e céu azul,
tintas multicores numa tela de seda…
Leva-me contigo… nas asas do vento…
… até me esquecer… que um dia existi…

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Tempo



















A cadeira baloiça como o sino mudo,
sem badaladas.
O corpo range nas dobradiças gastas…
Madeira seca, desbotada
cobre-me a pele ainda jovem…


Estico as pernas para a frente,
agora dobro novamente,
mais depressa, uma outra vez…
as sombras esvoaçam por entre os cortinados,
saltam em silêncio pelo soalho antigo,
deitam-se no sofá, nas almofadas
e deslizam para o chão
como aguarela preta que escorre da tela…

Encosto a cabeça para trás,
fitando o teto vazio,
a dobra de carvalho cravando
a sua rigidez no meu pescoço…
Lá em cima desmaiou a claridade do dia
e o branco torna-se mais sujo…

O baloiço dos ponteiros do relógio
move-se ao ritmo do segundo…
Tenho a alma presa nesta roda gigante,
nada mais somos que tempo
minutos, horas!